Decifrando o Valor: as camadas ocultas do Valuation no Brasil que todo CEO, CFO e acionista deve conhecer
Por Luiz Felipe Fleury e Esdras Cabral
"Valuation: Art, Science, Craft or Magic?"
O Prof. Aswath Damodaran destaca: "A craft is a skill that you learn by doing. The more you do it, the better you get at it. Valuation is a craft." Ou em português “Um ofício é uma habilidade que você aprende fazendo. Quanto mais você faz, melhor você fica nisso. A avaliação é um ofício."
Esta reflexão, válida em qualquer país ou mercado, ganha mais força no Brasil diante de certas particularidades do nosso ambiente de negócios. Valuation tem desafios próprios: vai muito além de fórmulas e engloba aspectos como estratégia, leitura de contexto, sensibilidade para riscos e, acima de tudo, experiência prática para evitar armadilhas e analisar oportunidades.
O ambiente brasileiro impõe elementos adicionais únicos, tais como: incertezas no ambiente macroeconômico, complexidade do sistema tributário e volatilidade do fluxo / mercado de capitais, entre outros fatores. Como já vimos ao longo de nossa trajetória, para CEOs, CFOs e acionistas, compreender e sistematizar a análise desta complexidade adicional não é apenas uma vantagem competitiva, é uma necessidade estratégica que pode separar quem consegue proteger o valor do negócio de quem se expõe a riscos que podem custar muito caro.
Entre os principais métodos de valuation, dois são mais utilizados no Brasil: avaliação relativa (por exemplo, múltiplos de lucro, de receita etc.) e avaliação por rentabilidade futura / fluxos de caixa descontados (DCF).
A primeira distinção crucial no Brasil está no dilema entre DCF e múltiplos. Em economias maduras, múltiplos podem oferecer um atalho razoável para estimativas iniciais. Aqui, porém, essa abordagem, que é relativamente mais simples, é também mais imprecisa: a escassez de dados comparáveis de empresas abertas e de empresas fechadas homogêneas, a menor liquidez de mercado, a volatilidade setorial, os impactos fiscais (como incentivos regionais) e a rápida mudança do ambiente macroeconômico tornam os múltiplos sozinhos menos confiáveis. Comparar múltiplos de empresas brasileiras com pares listados em bolsas internacionais, sem ajustar as diferenças de risco, ambiente regulatório e estágio de desenvolvimento do mercado, pode gerar distorções significativas no valor estimado. Não é incomum expectativas serem frustradas exatamente por ignorarem esses impactos.
Assim, qualquer noção de valor obtida por múltiplos deve ser, sempre, utilizada com as devidas ressalvas de entendimento mencionadas acima incluindo o “consistency check” da avaliação no contexto geral.
Como observado pelo economista Roberto Faldini, ex-presidente da Bovespa, "o mercado brasileiro é como um cardápio de restaurante em dia de temporal: os preços mudam antes mesmo de você fazer o pedido." – o que implica na necessidade de atenção redobrada na utilização de parâmetros de mercado.
É justamente por isso que o Discounted Cash Flow (DCF) se destaca como a metodologia fundamental no Brasil, justamente por permitir incorporar diferentes cenários e ajustar as projeções de acordo com as mudanças macroeconômicas. Ele permite construir o valor a partir dos fundamentos do negócio, projetando fluxos de caixa ancorados no contexto local e devidamente tratados para flutuações superficiais do mercado. É o método que oferece a profundidade necessária para decisões estratégicas de investimento e desinvestimento.
Naturalmente, o DCF não é perfeito. Ele é tão bom quanto os inputs que recebe. Em casos específicos, pode não capturar todas as nuances – mas, quase sempre, o problema está menos na técnica e mais na visão do avaliador. Quem domina as diferentes abordagens de valuation usa o DCF como um guia, validando ou ajustando percepções de valor com base em critérios bem fundamentados.
Outro desafio crítico no Brasil é a construção da taxa de desconto utilizada no DCF, o custo ponderado de capital (WACC). Ele não é necessariamente um número fixo, mas um exercício dinâmico de precificação de riscos – refletindo as percepções de mercado sobre o país, o mercado e sobre o ativo em análise. Por exemplo, o prêmio de risco-país, historicamente mais alto no Brasil do que em mercados desenvolvidos, eleva as taxas de retorno exigidas, o que pode comprimir os múltiplos de valuation no mercado local por consequência.
Além disso, a volatilidade das taxas de juros, o custo da dívida significativamente mais alto do que em outros mercados e as particularidades do crédito no Brasil tornam a definição do WACC um trabalho contínuo, que exige atenção constante.
Outro ponto fundamental é o impacto fiscal da dívida. No Brasil, a dedutibilidade dos juros tem um peso relevante, podendo gerar economias fiscais (“tax shields”) significativas e influenciar de forma importante o valor da empresa. Em mercados desenvolvidos, onde o custo da dívida é menor e a carga tributária mais leve, esse efeito tende a ser menos relevante, embora exista uma tendência a manter um maior nível de endividamento na composição do capital. Por isso, conhecer as peculiaridades do mercado brasileiro de crédito, entender o impacto do custo da dívida e o benefício fiscal associado também são fatores essenciais para um valuation realista e alinhado com a realidade local.
A complexidade fiscal brasileira também não pode ser ignorada. Nosso sistema tributário – com seus inúmeros impostos, regimes e incentivos – impacta diretamente os fluxos de caixa projetados. Um benefício fiscal regional, ou uma contingência identificada em uma due diligence, pode alterar substancialmente o valor de uma empresa. Avaliações com base apenas em múltiplos frequentemente ignoram essas nuances: uma empresa com incentivos regionais pode ser vendida a um preço muito superior a uma concorrente no mesmo setor sem os mesmos benefícios. Ignorar essas características pode ter impactos relevantes.
Em resumo, valuation no Brasil não se restringe a um mero cálculo numérico – é uma decisão estratégica. Requer compreensão profunda de riscos, domínio analítico e capacidade de adaptação a um ambiente em constante transformação. Para o C-Level, é a ferramenta que permite navegar em águas complexas, identificar o verdadeiro valor e tomar decisões que impulsionem crescimento, preservação de capital e rentabilidade – mesmo em um dos mercados mais desafiadores – e fascinantes – do mundo.
Em nossa prática diária, não há atalhos: cada valuation é único, e cada decisão precisa ser cuidadosamente fundamentada.
Um último lembrete: o resultado do valuation e o valor de uma transação (o “preço”) não necessariamente serão sempre coincidentes. Vários outros fatores (momento de mercado, preferência por liquidez, tipo de comprador e o próprio processo de negociação, entre muitos outros fatores) têm papel relevante na determinação do preço de fechamento de uma transação – mas isso é assunto para outra matéria.